Os últimos eventos nos países árabes são oportunos para falar um pouco do conceito de Inteligência Econômica. Qual o contexto? Seguida à imolação do jovem tunisiano Mohammed Bouazizi que ateou fogo ao próprio corpo no dia em que o impediram de exercer sua atividade de vendedor abulante, protestos populares forçaram a saída do então presidente Ben Ali.
Drástico, rápido e inesperado. Inesperado? Ao menos um governo aparentemente antecipou esta saída. Declarações do serviço diplomático dos EUA destacavam sua inquietação quanto ao governo de Ben Ali. O governo americano posicionava-se a favor da população tunisiana. Ben Ali deixou a presidência da Tunísia dias depois. É possível imaginar que o governo americano estivesse apoiado por um adequado serviço de Inteligência Econômica que lhe fornecesse informação e conhecimento que permitiria antecipar eventos e consequências políticas e sociais na Tunísia. Não teria sido prudente se posicionar contra o governo se não estivesse antecipando os acontecimento.
Segundo Michaelle Aviguel da Frankfurter Allgemeine Zeitung, Hillary Clinton, desde o início dos confrontos populares com o regime do ex-presidente, colocou-se em uma posição firme de critica ao regime autoritário. É de se supor que estivesse bem informada sobre o que iria acontecer. E o governo de Ben Ali caiu.
O que significa Inteligência Econômica? Alain Juillet, ex-responsável por Inteligência Econômica do Governo francês, definiu assim: “Consiste no domínio e na proteção de informação estratégica para todo agente econômico. Tem a tripla finalidade a competitividade da malha industrial [do país], a segurança da economia e das empresas e fortalecimento da influência do nosso país [da França no caso]”.
Ainda segundo Alain Juillet, é uma resposta cultural e operacional às questões ligadas à globalização e à sociedade da informação.
Mas nem sempre os governos estão bem amparados por um serviço eficaz de Inteligência Econômica. O muro de Berlim caiu em 1989 e ninguém previu. Nenhum governo se antecipou.
No caso da Tunísia, a postura firme americana antes da saída de Ben Ali contrastou, segundo o jornalista Phillippe Meyer da France Culture, com a de alguns governos do velho continente que não viram chegar as mudanças e ficaram perplexos e com postura desorientada em relação à saída do ex-presidente. Certa autoridade de governo, segundo Phillippe Meyer, dias antes de sua saída, chegara a afirmar que o que se dizia do regime de Ben Ali era muito exagerado. Claramente alguns governos foram pegos de surpresa com sua saída.
Vê-se a diferença entre um governo bem suportado por um processo de Inteligência Econômica que monitora o ambiente internacional e antecipa movimentos que podem gerar prejuízos e também oportunidades ao país e um governo que se mantêm ignorando os sinais de mudança, continuando a agir como se os movimentos não estivessem acontecendo.
Evidentemente, é muito delicado um governo dar apoio ou ir contra um governo estrangeiro. Tem consequências políticas e econômicas evidentes. Da mesma maneira, os EUA assumiram uma postura clara, pressionando, no caso do Egito, reformas, que não julgavam suficientes (Le Monde 9, fevereiro de 2011). São posturas também possivelmente bem apoiadas por um serviço de Inteligência Econômica.
É verdade que o serviço de Inteligência dos EUA nem sempre obteve o sucesso que gostaria, como no caso do triste atentado contra o World Trade Center em 2001, que pegou todos de surpresa. Apesar de existirem informações a respeito (segundo publicou Nicolas Lesca, pesquisador da Universidade de Grenoble em 2002), faltou capacidade de interpretação dos sinais.
“O problema de monitoramento, isto é, a coleta, análise e difusão de informação publicada ou informal, está no centro de um dispositivo de IE”, segundo Alain Juillet. Trata-se de utilizar de maneira ética e legal informação disponível a serviço de governos, Estados, comunidades locais. A serviço destes e de seus agentes econômicos, empresas, sociedade.
A IE tem como objetivo adquirir e proteger informação e de exercer influência. No último caso, influência política e econômica, por exemplo, de apoio ao desenvolvimento e conquista de mercados pelas empresas às quais a IE está a serviço, ajudar na introdução de normas, valores e idéias gerais favoráveis ao país em questão.
Nos últimos anos, na França a discussão sobre inteligência econômica tem ganhado espaço. A ADVS França colocou em seu site alguns textos a respeito do conceito. Difere um pouco do escopo da inteligência competitiva, estratégica, uma vez que envolve ações de inteligência por parte do Estado, com o objetivo de antecipar movimentos externos que possam influenciar as ações de seu país, de suas empresas. É importante ficar claro também que a discussão sobre inteligência econômica, tanto quanto a inteligência competitiva e estratégica deve-se pautar por princípios éticos de uso de informação pública disponível.
Como sempre e como no caso da Tunísia ou do Egito, a informação esteve sempre disponível e muito se destacou a importância das ferramentas de redes sociais no processo que circulou publicamente as informações sobre os movimentos e sua evolução. Como aproveitar esta informação pública é que é o desafio de quem faz Inteligência.
Fernando de Almeida é fundador da ADVS Brasil (www.advsbrasil.com.br), associada à ADVS França, voltada a consultoria e pesquisa em Inteligência Competitiva e Estratégia. É responsável pela Fuld, Gilad, Herring Academy of CI no Brasil, que ministra cursos e emite Certificação - CIP™ em Inteligência Competitiva nos EUA. É coordenador do MBA Inteligência Estratégica da Fipe
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